14 famílias estão morando ao lado da Prefeitura, e o município não sabe o que fazer com elas

Da Redação

Cerca de 40 pessoas removidas da Ilha do Pavão em julho de 2017 estão acampadas em frente à Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Desde domingo (21), elas se refugiam em marquises próximas para pressionar o poder público por respostas. “Nós só saímos daqui quando nos derem uma casa digna. A gente quer uma solução, eu não tenho para onde ir”, afirma a líder entre as famílias, Ivanês da Silva.

Há cerca de seis meses, as casas onde viviam há 40 anos, em uma área pertencente à Triunfo Concepa, foram demolidas, após um incêndio criminoso. Segundo o promotor responsável pelo caso, Cláudio Pinheiro de Mello, o terreno também era palco de disputas entre facções. Um dos grupos teria colocado fogo nas casas da região para delimitar seu território. Logo depois, o que sobrou teria sido demolido com o apoio da Concepa, a pedido da Prefeitura e com apoio da Brigada Militar e da Polícia Rodoviária Federal. A empresa salienta que o pedido foi atendido visando “garantir a segurança dos moradores”, por conta da possibilidade de um novo incêndio. Segundo a empresa, uma tubulação da Sulgás percorre o subsolo da área, o que poderia agravar ainda mais a situação.

“As famílias ficaram completamente desassistidas, sem expectativa de [ter para] onde ir”, afirma o promotor. O grupo se separou. Algumas pessoas foram para as ruas de Porto Alegre, outras para um galpão abandonado no bairro Humaitá. A reintegração de posse do local foi emitida em favor do proprietário e, mais uma vez, as 14 famílias ficaram sem moradia. Assim, ocuparam a frente da Prefeitura pela primeira vez. A mudança ocorreu no mesmo dia da desocupação da Nova Lanceiros Negros.

Na época, as famílias já eram representadas pela Defensoria Pública da União (DPU). Desde 2005, esperava-se conseguir um novo local de moradia pelos riscos que oferecia o terreno na Ilha do Pavão, muito próximo de uma rodovia. Após alguns dias em frente à Prefeitura, eles foram transferidos para a uma escola desativada do Estado, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Ernesto Tocchetto, no bairro Floresta.

Grupo de famílias na primeira ocupação na Prefeitura, em 2017. Foto: Divulgação

“Insalubridade” 

Escola Ernesto Tocchetto, com cartazes das fampilias do lado de fora pedindo por doações. Foto: Reprodução/Google Maps

Após quase seis meses na escola, as famílias dizem que não havia mais possibilidade de permanecer no local. “Quando chovia, ficávamos a noite inteira tirando a água com baldes. Boa parte dos nossos pegaram pneumonia e estão no hospital. A fiação era toda para fora também e a gente sabia que a qualquer momento ia dar um problema mais grave. Era insalubre”, explica Ivanês.

A Prefeitura, no entanto, reforça que o prédio foi entregue em boas condições. Reparos também teriam sido realizados pelo município. Segundo a assessoria, por conta do trabalho dos moradores com reciclagem, algumas estruturas teriam se deteriorado. “Precisamos ter onde morar e onde trabalhar”, diz Ivanês.

Segundo a Prefeitura, na manhã da quarta-feira (24), o grupo teve uma reunião com representantes do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) e da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). No entanto, a única alternativa apresentada teria sido o encaminhamento para albergues. “Mas se a gente for, ficaremos todos separados; as mães dos filhos, dos maridos, dos cachorros. Não tem como aceitarmos isso”, defende a líder das famílias. A prefeitura afirma que foram oferecidas vagas para que as famílias fossem recebidas juntas, sem a necessidade de se separar, no Albergue Felipe Diehl, mas que a opção também teria sido rejeitada.

“A Prefeitura não tem um plano de emergência. Pelo que eu conheço, a cidade não tem ou terá onde colocar as pessoas”, diz o promotor, em tom de preocupação. Na noite após a conversa com representantes municipais, os ocupantes denunciaram uma ação violenta que envolveu funcionários do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e oficiais da Guarda Municipal. Segundo eles, um caminhão de lixo teria se aproximado no final da tarde. Quando anoiteceu e a circulação de pedestres cessou, os funcionários, com a ajuda da Guarda teriam “partido para cima”, retirando os objetos. Em vídeo enviado por uma das integrantes da ocupação, o grupo tenta argumentar afirmando que o que está acontecendo é “discriminação”, e cobrando ações da Prefeitura.

“Mas não teve conversa”, diz Ivanês. A Prefeitura se posicionou sobre o assunto afirmando que “a presença de servidores do DMLU foi para transportar os pertences das pessoas para um depósito – do qual elas podem retirá-los quando quiserem – e para fazer a limpeza de resíduos e da Guarda para garantir a segurança de todos envolvidos”. As famílias reuniram os objetos que conseguiram e se realocaram no entorno da Prefeitura, conforme a movimentação do DMLU e da Guarda se dissipava.

O Ministério Público está analisando o caso. Segundo o promotor Cláudio Pinheiro de Mello, o pedido de indenização para as famílias deverá ser reforçado em breve, na tentativa de garantir uma base financeira que possibilite uma moradia fixa.O Conselho Tutelar foi notificado pela Prefeitura para “que tome providência em relação à segurança das  crianças que estão com suas famílias em situação de rua”. “Mas não há empreendimentos para abrigá-los nessas condições. Contar com o município é muito difícil”, declara Mello.

Ivanês assumiu a liderança do grupo, que ocupa o entorno da Prefeitura desde domingo (21). Foto: Joana Berwanger/Sul21