20 de Novembro: Porto Palmares Alegre marcha pelo povo negro

O 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, foi lembrado em Porto Alegre com a 1ª Marcha Zumbi dos Palmares – Independente, Classista e de Luta. A marcha foi chamada pelo Comitê Porto Alegre da Marcha contra o Genocídio da População Negra, movimento que reúne organizações de luta pelos direitos do povo negro. A 1ª Marcha, realizada neste ano, é resultado também de uma divisão política surgida em 2013, na VII Marcha Zumbi dos Palmares. Algumas organizações passaram a construir essa manifestação, enquanto outras realizaram um segundo ato na capital gaúcha. A 1ª Marcha Zumbi dos Palmares – Independente, Classista e de Luta saiu da Praça da Matriz no final da tarde, seguiu até o Largo Zumbi dos Palmares e, na rua, realizou uma ação teatral lembrando os 83 jovens negros assassinados todos os dias no Brasil: a cada batida do tambor, um tombava no asfalto.

Três dos organizadores da 1ª Marcha Zumbi dos Palmares – Independente, Classista e de Luta narram abaixo as origens e como foi a mobilização deste ano:

A Marcha Contra o Genocídio foi uma articulação do Quilombo X, de Salvador. Essa articulação é pra denunciarmos no país inteiro o genocídio da juventude negra, e também o encarceramento. A construção foi feita toda de forma democrática, através das reuniões do Comitê. A gente criou um comitê, criou esse fórum, essa instância, pra conseguir aglutinar diversas organizações, coletivos, indivíduos, que estavam, de alguma forma, dispostos a tocar essa luta, que de alguma forma se sensibilizavam com esses dados do genocídio, esses dados de homicídios. Na construção da Marcha, no dia 25 mais de mil pessoas em Porto Alegre, a gente partiu a concentração do Largo dos Enforcados, seguiu pelo Centro, passando pelo Tribunal, fazendo uma denúncia com relação às ocupações. Tem “n” ocupações urbanas aqui em Porto Alegre que estão sendo vítimas de despejo por parte da Prefeitura. Então a Marcha seguiu para acumular diversa demandas, não só em relação ao genocídio. Teve a demanda dos moradores de rua, com relação ao restaurante público que não tem mais, teve a questão das terras indígenas e quilombolas, teve a questão também da população de periferia que principalmente depois da Copa ocupou novos espaços e está sendo despejada pela Prefeitura. A Marcha serviu de potencializador para colocar as “n” formas de genocídio do povo negro, que não é só pelo assassinato, é um genocídio constante: falta de moradia, falta de Educação, falta de Cultura. A gente está sempre à margem de todos esses direitos, que não são garantidos pra gente.

De certa forma, a primeira marcha, esse ano, surge como uma resposta à descaracterização da marcha do 20 de novembro aqui no Rio Grande do Sul. Nós tivemos um balanço muito negativo do que foi a sétima marcha, no ano passado, um processo de descaracterização do caráter de luta que significa o 20 de novembro, várias atitudes antidemocráticas, desrespeitosas por parte de setores do próprio movimento social negro, ligados umbilicalmente ao governo e ao Estado. Descaracterizou-se a marcha, transformando ela num palanque partidário e distante das demandas concretas do nosso povo. Então nós optamos por construir horizontalmente essa marcha, a partir dos ataques que o nosso povo sofre na periferia. São várias comunidades ameaçadas de despejo, o genocídio da juventude negra – com esse dado estarrecedor, de 83 jovens negros mortos por dia –, as ameaças de despejo…sendo que os juízes que assinam as ordens de despejo se autobeneficiaram com esse imoral auxílio-moradia de R$ 4337 por mês, isentos de impostos. Quer dizer, se chegou no limite. Nós sendo despejados, nossa juventude sendo assassinada, as demarcações dos territórios indígenas e quilombolas paralisadas, com as comunidades precarizadas, com medidas e ataques tanto pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário. Então nós resolvemos construir uma marcha colocando o nosso povo na rua. Periferia, favelas, negros, quilombolas, indígenas, trabalhadores, trabalhadoras, apoiadores da luta antirracista, de uma forma horizontal, de uma forma que…não temos o que comemorar, porque nós andamos e caminhamos com os nossos mortos. Tentamos trazer de volta o caráter simbólico de luta que foi e que é o 20 de novembro e o martírio de Zumbi dos Palmares em 1695. Foi esse o caráter, o formato que a gente procurou dar à marcha.

A gente vem com a cultura, com o teatro, com a música, como forma de sensibilizar a população. Quem participa da marcha tá dentro das discussões que a gente tem feito. Quantos jovens assassinados todo dia, o índice de despejos…mas quem está por fora, não sabe, ou não tem as informações nos meios de comunicação tradicionais. Então a gente vem com a cultura como forma de sensibilizar, de relembrar nossos mortos e não deixar os nossos mortos serem esquecidos. Na frente do Palácio da Polícia a gente fez isso no dia da Marcha do Genocídio, a gente trouxe uma cruz com os nomes dos mortos, a gente gritou pelos nossos mortos. E hoje a gente representou os 83 jovens negros mortos e assassinados por dia. Através da música, através da cultura, onde todo mundo que tava aqui, a juventude negra, homens, mulheres, crianças, adultos, se deitaram no asfalto marcando o asfalto com a presença de seus corpos, para que a partir dessa memória, desse resgate, nenhum morto a mais da nossa juventude. Então esse resgate através da cultura e da memória, a gente consegue se impor na nossa reivindicação, não só pra nós, mas pra quem tá aí no entorno e não conhece as nossas reivindicações.

Fonte: Jornalismo B