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Episódio da DEAM de Porto Alegre é oportunidade para discutirmos o assédio na Polícia Civil

O episódio da semana passada, que culminou com a mudança na Chefia de Polícia, chama a atenção para um problema que atinge de forma brutal a Polícia Civil gaúcha: o assédio moral. O episódio, que foi flagrado por um repórter da Zero Hora na DEAM de Porto Alegre, não é um caso isolado nem apenas um episódio de destempero do ex-Chefe de Polícia. Se trata de mais um, entre os vários casos que já fazem parte do cotidiano da Polícia Civil e são do conhecimento de toda a categoria. Um exemplo é o caso ocorrido com uma autoridade policial em uma DPPA do Vale do Sinos, onde um delegado adentrou uma sala da unidade policial, abordando os servidores aos gritos na frente das partes. São raros os (as) policiais civis que não passaram ou presenciaram casos semelhantes, durante a sua vida funcional. O assédio moral, muitas vezes, acontece de forma sutil, por exemplo, com a negação de direitos trabalhistas como o não pagamento antecipada de diárias em operações policiais.

É necessário não cair no erro de personalizar uma realidade que é muito mais ampla e tem raízes muito mais profundas. O assédio moral faz parte de uma estrutura extremamente hierarquizada e antidemocrática da Polícia Civil gaúcha. A simples troca do Chefe de Polícia não toca, nem superficialmente, no cerne da questão. Um exemplo dessa estrutura arcaica e antidemocrática pode ser encontrado no estatuto da Polícia Civil. A Lei 7366 diz que “espancar, torturar ou maltratar preso ou detido sob sua guarda ou usar de violência desnecessária no exercício da função policial” é uma transgressão disciplinar média. No entanto, “emitir conceitos desfavoráveis a superiores hierárquicos” é uma transgressão considerada grave. Ou seja, um policial que falar mal de um delegado, está sujeito a uma punição maior do que alguém que espanque e torture um preso ou use de violência desnecessária contra um cidadão.

O assédio moral na Polícia Civil tem levado a categoria ao adoecimento

Essa estrutura extremamente hierarquizada e ultrapassada, combinada com a falta de atendimento e acolhimento às vítimas de assédio na polícia, além do excesso de operações, falta de efetivo e da pressão exacerbada por metas, tem levado os (as) policiais civis ao adoecimento e, em casos extremos, ao suicídio. O Departamento de Saúde da Polícia Civil (DSA), órgão responsável pelo atendimento aos (às) policiais civis gaúchos (as), se encontra sobrecarregado, tentando dar conta de uma categoria adoecida que, a cada dia, enxerga a saída da instituição como a melhor alternativa para preservar a sua saúde física e mental.

A direção da UGEIRM também é constantemente acionada para mediar casos de assédio moral na instituição. O vice-presidente do sindicato, Fabio Castro, relata que “na imensa maioria desses casos, a solução encontrada é diferente da verificada no caso da DEAM. Quando a vítima é um (a) agente, normalmente o encaminhamento é a remoção da vítima para outro departamento ou unidade policial. O (a) agressor (a), normalmente, é preservado (a), mantendo seu posto e ficando livre para novos casos de assédio”. Fábio lembra que “a UGEIRM cobra, há muitos anos, uma política efetiva de combate ao assédio, com a revisão da legislação, inclusive com um novo estatuto da Polícia Civil, condizente com as mudanças verificadas na sociedade. É bom lembrar que o estatuto atual é de antes da Constituição de 1988. Chega a ser vergonhoso que uma instituição como a Polícia Civil ainda tenha que conviver com tal legislação”, conclui Fabio Castro.

Polícia Civil gaúcha precisa de uma política estruturada de combate ao assédio moral

Um exemplo de política de atendimento e acolhimento para os (as) policiais civis vítimas de assédio, é o “Escuta SUSP” do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O projeto visa oferecer um canal de atendimento psicológico para profissionais do Sistema Único de Segurança Pública. O projeto disponibiliza um canal online de atendimento seguro para quem precisa e, principalmente, estabelece um protocolo específico de atendimento para os profissionais da segurança pública. O Governo do estado, diferente de outras unidades da federação, até agora não demonstrou nenhum interesse na adesão ao programa.

No Rio Grande do Sul, não existe nem mesmo uma legislação específica para os casos de assédio moral no serviço público. O Governo não disponibiliza canais específicos para denúncia de casos de assédio e não existe um protocolo para atendimento e acolhimento às vítimas. Com isso, muitas vezes os supostos assediadores continuam trabalhando, normalmente, no seu local de trabalho, convivendo diariamente com quem fez a denúncia. Quando muito, ocorre a remoção da vítima para outra unidade policial. O correto seria o afastamento temporário do acusado, até que se prove a sua inocência ou culpa. No caso de comprovado o assédio, o acusado deveria ser afastado definitivamente das suas funções e punido de forma severa. Porém, como não existe uma legislação específica para os casos de assédio moral no serviço público, os assediadores, na maioria das vezes, não têm punição alguma.

É preciso que o governo do estado estabeleça uma política específica de combate ao assédio e cuidado com a saúde mental dos policiais civis do RS. O primeiro passo, é a criação de um protocolo de atendimento seguro para os casos de assédio, que proteja os (as) policiais civis e dê condições seguras para o atendimento aos danos causados pelo assédio, além de punição para os (as) assediadores (as). Hoje, diante da falta de ação do governo, contamos apenas com os abnegados servidores do DSA, que lidam da melhor forma possível diante da falta de estrutura e apoio por parte da administração. Por incrível que pareça, até mesmo esses policiais, que cuidam da saúde mental da categoria, têm sido vítimas de assédio moral.

A diretora da UGEIRM, Neiva Carla Back, destaca que “o assédio moral é um mal que atinge todos os (as) servidores (as) da Polícia Civil, agentes e delegados (as), e prejudica toda a sociedade. Um ambiente de trabalho autoritário, onde o medo permeia as relações, é prejudicial para a garantia de um atendimento eficiente à população. No caso da Polícia Civil é ainda mais grave. Os (as) policiais civis já são obrigados, pela própria natureza da profissão, a lidar com situações de stress e tensão elevada. Quando essa tensão é ampliada pelas relações de trabalho, o risco de erros aumenta. Numa profissão como a de policial, esses erros podem ter sérias consequências”.

O Presidente da UGEIRM, Isaac Ortiz, afirma que “esse momento é ideal para que o governo abrace, finalmente, essa discussão. Demonstrando que a sua preocupação com o que aconteceu na DEAM, vai além de um cuidado com a sua imagem perante a opinião pública. Ou o governo enxerga, definitivamente, que a luta contra o assédio moral é fundamental para o trabalho dos servidores que vêm, ano a ano, diminuído os índices de violência no estado, ou corremos o risco de vermos todos os avanços conseguidos nos últimos anos na segurança pública, ir por água abaixo”.

Ortiz completa, reafirmando o compromisso da UGEIRM com os (as) policiais civis vítimas de assédio: “aos colegas que sofrem com assédio, nós reafirmamos que o sindicato estará sempre à disposição e ao lado de vocês. Denunciem ao sindicato, pois o assediador se alimenta do silêncio. Sabemos o quanto é difícil fazer a denúncia e o quanto é doloroso passar por essa situação, mas saiba que o sindicato será sempre acolhedor e estará ao seu lado na apuração e punição dos casos de assédio”.