A compra do AeroLeite e as prioridades do Governo do estado
A semana começou com a notícia de que o Governo Eduardo Leite decidiu adquirir um jatinho para uso do governo do Estado. Com a repercussão negativa, o governador anunciou, nesta quarta-feira (02), a desistência da compra. Apesar do recuo, o anúncio da compra revela quais são as reais prioridades do seu governo.
No início falava-se que os valores gastos com a compra girariam entre R$ 150 e R$ 200 milhões; com as repercussões negativas, a referência passou para algo em torno de R$ 95 milhões. A ideia do Governo era utilizar o dinheiro do Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), criado para financiar a reconstrução do estado, após as enchentes de maio de 2024. Enquanto as famílias que perderam tudo com a tragédia do ano passado aguardam, ainda em abrigos, a construção de suas casas, o governador queria utilizar o dinheiro do FUNRIGS para comprar um jatinho.
Para justificar a aquisição da aeronave, Eduardo Leite alegou que o AeroLeite serviria, também, para o transporte de órgãos doados para transplante. O governador admitiu que o jatinho também seria utilizado para deslocamentos do governador, quando necessário, e para o deslocamento de efetivos da segurança pública. No entanto, a questão não é se um jatinho teria utilidade para o Governo. A questão que deve ser respondida é: essa deveria ser uma prioridade para o nosso estado?
Comprar um jatinho ou oferecer condições dignas de trabalho para os policiais? o que você escolheria?
Além do absurdo de cogitar a utilização do dinheiro das enchentes na compra de um jatinho, o governo tem que ser questionado se, em um momento em que os servidores da segurança pública sofrem um dos maiores arrochos salariais da história, a compra de um avião a jato deve estar entre as prioridades da Secretaria de Segurança. Beira o escárnio, vermos um governo se propor a gastar R$ 95 milhões com a compra de um avião a jato, dizendo que o mesmo servirá para o deslocamento de tropas de segurança pública, enquanto os policiais civis do estado não contam nem mesmo com escudos balísticos para operações policiais.
Será que esses R$ 95 milhões não teriam melhor destinação, se fossem utilizados na criação de um serviço de atendimento psicológico para os policiais de todo o estado, amenizando um pouco a sobrecarga dos trabalhadores da DAS e melhorando a saúde mental dos policiais civis? Uma parte desse dinheiro não poderia ser utilizado para garantir instalações adequadas para a DEAM de Porto Alegre, evitando que mulheres vítimas de violência tenham que esperar atendimento na porta da Delegacia? Esse dinheiro não seria suficiente para fazer a reforma do prédio que irá abrigar o DPGV e o plantão da DEAM? Ou para fazer uma reforma geral das instalações elétricas das Delegacias, evitando que os policiais tenham suas vidas colocadas em risco, como nos três incêndios seguidos ocorridos no DEIC de Porto Alegre?
A compra do jatinho pode melhorar a locomoção do governo, mas não será capaz de estancar a verdadeira explosão de exonerações na Polícia Civil. Se o dinheiro gasto com o AeroLeite fosse utilizado para melhorar as condições das Delegacias, para oferecer equipamentos de proteção adequados aos policiais e melhorar os salários da categoria, talvez menos policiais saíssem da Polícia Civil em busca de melhor remuneração. O Governo pensar em gastar R$ 95 milhões com um jatinho, é um total desrespeito com uma categoria que está com seus salários completamente defasados, que perdeu a simetria com os capitães da BM, o direito a paridade e a integralidade na aposentadoria e garantem sozinhos o funcionamento de mais de 80 delegacias que contam com apenas um policial civil.
Mas o pagamento de salários dignos para servidores, que arriscam suas vidas cotidianamente, e a manutenção das delegacias não rende boas fotos para o Instagram. O duro cotidiano de uma delegacia de polícia, com pessoas reais aguardando atendimento, como acontece na Restinga onde a população tem que aguardar na rua para ser atendida, com policiais reais se desdobrando para atender essas pessoas, muitas vezes com jornadas de 24 horas, também não rende bons posts no Instagram.
Por outro lado, o jatinho de R$ 95 milhões poderá render excelentes fotos, com o Governador sorridente e, talvez, tocando um pandeiro. Isso pode passar, para o resto do país, o retrato de uma polícia moderna, com um governador moderno, que governa de forma moderna. No entanto, para quem enxerga além do Instagram, a realidade é muito diferente: o mundo real é de policiais adoecendo por excesso de trabalho, uma categoria endividada e com salários que perdem seu poder de compra mês a mês, delegacias pegando fogo e policiais morrendo por falta de escudo balístico.
Foto: Maurício Toneto / Secom