Deputados veem ideias positivas na reforma tributária do governo Leite, mas já manifestam divergências

Luís Eduardo Gomes

O governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou na quinta-feira (16) o conteúdo da reforma tributária que irá encaminhar à Assembleia Legislativa para apreciação dos deputados estaduais. A reforma promove uma ampla reestruturação do sistema tributário estadual e tem, como principal objetivo, criar mecanismos que permitam ao governo reduzir a principal alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — o tributo mais relevante de responsabilidade estadual — de 18% para 17%, cumprindo a promessa de campanha de reverter o aumento aprovado no governo de José Ivo Sartori (MDB), mas sem perder a arrecadação. O Sul21 conversou com quatro deputados, dois de partidos da base aliada e dois de partidos da oposição, para entender como eles receberam as propostas do governador.

O que propõe o governo

A proposta de reforma apresentada pelo governador é composta por oito macroestratégias: simplificação e redução do número de alíquotas; redistribuição da carga; medidas de estímulo à retomada pós-covid; revisão de benefícios fiscais; redução da carga para famílias de baixa renda; modernização da administração tributária; transparência tributária; e aumentar os tributos sobre o patrimônio e diminuir sobre o consumo.

Na prática, isso representa medidas como a extinção das alíquotas do ICMS de 12%, 20% e 30%, mantendo-as atuais de 18% (que seria reduzida para 17%) e de 25%, até 2023. Outra medida destacada é a criação de um fundo para que famílias de baixa renda (até três salários mínimos) possam receber de volta parte do ICMS. Por outro lado, eleva de 3% a 3,5% do valor do veículo a alíquota para automóveis e camionetas, eleva de 20 para 40 anos de fabricação a isenção de IPVA sobre um veículo, eleva a alíquota sobre heranças para duas faixas de 7% e 8% e de doações para duas faixas de 5% e 6% (confira a íntegra das propostas).

“Poderíamos apenas renovar as alíquotas majoradas que expirariam no fim do ano, o que resolveria o problema de caixa do governo e dos municípios, mas diminuiria a nossa competitividade do Rio Grande do Sul. Se simplesmente retirássemos, haveria um rombo de quase R$ 3 bilhões em arrecadação a partir de 2021 para o Estado e de R$ 850 milhões para as prefeituras. Mas não adianta ter a menor carga tributária e pagar o preço da precarização de serviços”, disse o governador na quinta. “Por isso, aproveitaremos o momento que temos de fazer a revisão das alíquotas para promover mudanças em todo o sistema fiscal, simplificando, modernizando e tornando mais justo. Queremos transformar o sistema tributário gaúcho no mais moderno do país”.

O que pensam deputados da base aliada

Deputado Sérgio Turra, líder da bancada do Progressistas (antigo PP), diz que é “chover no molhado” que a reforma é necessária e que, conceitualmente, o que foi apresentado pelo governador é “interessante”. “Porque propõe simplificação, modernização, uma espécie de justiça tributária e, quanto a isso, estamos de pleno acordo”, diz.

Ele também destaca como positiva a proposta de devolução de créditos do ICMS para famílias que recebam até três salários mínimos. “É um programa interessante, porque vai permitir mais renda e vai, inclusive, retornar, porque acaba aumentando o consumo destas famílias”, afirma.

Deputado Sérgio Turra | Foto: André Lisbôa/Agência ALRS

Por outro lado, Turra expressa discordância com a ideia de que, para garantir o retorno da principal alíquota do ICMS de 18% para 17% (elevação realizada no governo Sartori e mantida nos dois primeiros anos do governo Leite), serão majoradas outras alíquotas para que o Estado não perca arrecadação.

“Aumento de imposto, sem dúvida alguma, é um ponto que enseja muita reflexão”, diz. “Eu noto que, a princípios, o setor primário está sendo penalizado e a gente sabe a importância que ele tem para a economia do nosso Estado. Tem que ver isso com lupa”, diz o deputado.

Turra diz ainda que, sem falar em nome da bancada, ele, pessoalmente, é contrário à elevação da alíquota do IPVA de 3% para 3,5% e questiona a medida de elevar para 40 anos de fabricação a faixa de isenção do tributo sobre veículos automotores. “Quem tem esses veículos são as pessoas mais pobres. Então, ao mesmo passo que o governo dá algo com uma mão, está tirando com a outra. E, com relação ao IPVA, de modo geral, além de eu por princípio ser contra aumento de impostos, nós vamos viver um momento aqui de concessões, ou seja, pedágio, então não é sensato aumentar um imposto que era para algo que o cidadão vai ter que pagar de outra forma”, disse.

Líder da bancada do MDB, Vilmar Zanchin afirma que a intenção de simplificar e desonerar é “o desejo de quem produz, de quem consome e de quem contribui”. “Acontece que a implantação disso nós devemos discutir melhor. Nós vamos ter setores aí que poderão ser afetados e tem que ser discutido qual é a melhor maneira de se implantar uma reforma, porque ela é profunda”, diz.

Deputado Vilmar Zanchin | Foto: Celso Bender/Agência ALRS

Zanchin também ressalta que há mudanças propostas pelo governador que precisariam da aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). “Então, não depende apenas de uma vontade, mas de um órgão para ter validade”, afirma.

O emedebista avalia que é preciso ter uma “clareza maior” de qual será o impacto na arrecadação de uma série de propostas ao longo dos próximos anos. “Quanto o Estado vai arrecadar a mais, o quanto vai abrir mão de receitas, isso não está claro no projeto. Nós temos algumas medidas que foi posto ali o impacto financeiro, mas, no projeto global, isso não nos foi apresentado”, diz.

A respeito do fato de que uma reforma tributária está em tramitação em Brasília, Zanchin questiona o fato de que a Assembleia corre o risco de aprovar uma reforma que pode ter alguns pontos inócuos. “Mas eu não te diria que o ideal é aguardar Brasília, porque lá a a gente não sabe como vai ser a tramitação, mas, no mínimo, a gente tem que ter esse cuidado de tratar esse assunto de forma muito responsável, com um olho aqui e outro lá, para daqui a pouco não aprovar uma lei que vai ser inócua”, afirmou.

Turra também avalia que esperar por Brasília não é necessário, destacando que a reforma tributária nacional deve focar nos impostos federais. Contudo, ressalva que, se a reforma federal envolver a questão do ICMS, deverá ser acompanhada pela Assembleia Legislativa.

O que pensam deputados de oposição

O deputado Luiz Fernando Mainardi (PT) diz que, conceitualmente, o conteúdo apresentado pelo governador tem a “simpatia” da bancada do PT. Contudo, ressalta que uma coisa é o anúncio do conjunto de ideias e outra é a viabilização na prática. Além disso, destaca que o partido já tem uma série de questionamentos sobre a reforma.

“Na verdade, o governador tenta fazer uma reforma tributária a nível de Estado em que o objetivo é manter os R$ 2,85 bilhões que está se perdendo no final do ano pela volta das alíquotas anteriores. E já nesse aspecto tem uma questão que o governo vai ter que responder, essas alíquotas do Sartori elevaram a arrecadação do Estado, quando tu reduz, haverá uma queda nos preços? As empresas de telefonia vão diminuir o valor do telefone? As empresas de energia vão diminuir? Os postos de gasolina vão diminuir? A sensação que nós temos e a experiência nos mostra é que, toda a vez que eleva as alíquotas, elas são repassadas ao consumidor de forma imediata. Agora, quando são retiradas, não são repassadas. Então, com certeza, vários setores vão ter aumento de ganho de rentabilidade fruto dessa operação, esse é o problema do governo ter implantado alíquotas provisórias”, diz.

Deputado Luiz Fernando Mainardi | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Mainardi avalia que é interessante a redução das alíquotas de cinco para duas, reduzindo o patamar mais alto de 30% para 25%, mas, por outro lado, elevando o menor de 12% para 17%. “Portanto, haverá uns que ganharão e outros que perderão. Como se comportarão aqueles que vão sofrer majoração nas suas alíquotas? Essas empresas vão perder competitividade ou não? Irão repassar isso para o consumidor? Então, tem muitas dúvidas”, afirma.

Para o petista, a reforma vai estabelecer uma “briga entre os pequenos” e mexerá pouco no grande empresariado, uma vez que as mudanças tributárias que seriam necessárias, como a cobrança de tributos sobre lucros e dividendos e a reoneração das exportações não são temas passíveis de discussão em âmbito estadual.

“A questão principal de perda de receitas do Estado é a questão proveniente da guerra fiscal. Se uma grande empresa resolve abrir uma indústria, para onde que ela vai? Ela faz um leilão, vai para quem der mais. Isso tudo vai continuar”, diz. “A Nestlé aqui no Estado ganhou um enorme crédito presumido de ICMS, botou uma fábrica lá em Palmeira das Missões, o que na verdade é uma grande mentira, porque não processou o leite, tirava a água e mandava o leite concentrado para processar em São Paulo, gerando desenvolvimento lá. Mas criou um problema de concorrência enorme para os demais empresas da área de laticínios. Ela passou dez anos com esse incentivo fiscal, quando completou os dez anos, viu que não ia ser renovado, pegou as suas trouxinhas e foi embora. Isso tudo continua, a guerra fiscal continua. Nós tínhamos que, na verdade, estar pressionando para uma reforma tributária nacional”.

Segundo dia de mobilização dos servidores públicos estaduais durante a votação do pacote de medidas de Eduardo Leite. Deputada Luciana Genro. Foto: Luiza Castro/Sul21

A deputada Luciana Genro (PSOL) diz que a proposta “pega muito pesado no consumidor”, pois aumenta alíquotas que vão atingir principalmente a classe média, e afeta pouco as empresas. “A parte que revê os benefícios fiscais é extremamente tímida, apenas 10% de uma parte dos contratos de benefício fiscal vão ser atingidos. Grandes empresas, como a General Motors, não vão dar nenhuma contribuição para a reforma tributária. A tributação sobre patrimônio, que, em tese, é uma tributação positiva, vai atingir pessoas de renda baixa, porque vai acabar com a isenção do IPVA para carros com mais de 20 anos, só vai manter para carros de 40 anos, que praticamente não existem carros andando com mais de 40 anos”, diz.

A respeito da elevação da alíquota do imposto sobre heranças, Luciana destaca que esta é uma pauta que era defendida pelo seu mandato, mas ressalva que a sua proposta elimina a tributação para heranças de até R$ 200 mil e a do governo não. “Eu não vou dizer que é de toda negativa, tem pontos positivos, como esse, que vai ao encontro da minha proposta. Mas, no todo, eu vejo que vai sacrificar mais a classe média e vai atingir pouco as empresas que recebem benefício fiscal”, afirma a deputada.

A psolista destaca que o seu mandato vai preparar emendas para tentar ampliar a justiça tributária. “Acho que tem vários pontos que não vão ser de trânsito fácil para o governador, porque, na prática, embora tenha esse sistema de devolução do imposto para famílias até três salários mínimos, as famílias acima de três salários, que não são necessariamente famílias ricas, são famílias de classe média, vão ser fortemente atingidas. Por exemplo, com o aumento do ICMS do gás de cozinha, com aumento do IPVA de 3% para 3,5%, com essa questão da tributação sobre as heranças, então não vai ser fácil. E a parte das empresas, com certeza que tem deputados que vão querer proteger determinados segmentos. Um dos atingidos é o segmento dos insumos agrícolas e a bancada vinculada ao agronegócio certamente vai agir para minimizar o impacto para esse setor. Então, vai ter pressão dos dois lados, eu acho, para diminuir a carga sobre a classe média e para diminuir a carga sobre o empresariado. Eu vou trabalhar para que o empresariado pague mais”, afirma.