Do controle à liberação: é possível outra política de preços na Petrobras?

A Petróleo Brasileiro S.A., nome que a Petrobras ainda mantém oficialmente, é uma empresa de capital misto. Isso significa que o governo federal é dono de parte da companhia, o restante é dividido entre investidores privados.

A Petrobras é também uma empresa de capital aberto, tem suas ações negociadas no mercado. Isso acontece porque, no passado, o governo decidiu vender parte da empresa a investidores privados.

A União, porém, segue como controladora da empresa. Isso porque mantém 50,26% das ações ordinárias – aquelas que dão direito a voto. Isso sem falar na parcela que está indiretamente nas mãos do governo, com BNDES e Caixa Econômica Federal, principalmente.

 

Há ainda as ações preferenciais. Os donos desses papéis não têm direito a voto, não opinam sobre os rumos da empresa, mas também são sócios da empresa e recebem eventuais lucros. As ações preferenciais estão principalmente nas mãos de investidores privados.

Essa divisão abre espaço para disputas sobre como a Petrobras deve ser administrada. Historicamente há uma disputa entre os interesses dos minoritários, que investiram na empresa mas não têm poder de decisão, e o governo, que mantém o poder de indicar os rumos da companhia. E a recente escalada no preço dos combustíveis escancara a questão.

Isso porque no centro do debate está a nova política de preços de combustíveis da Petrobras, implantada depois que Michel Temer assumiu o governo, em maio de 2016. O presidente da estatal indicado por Temer, Pedro Parente, implantou uma política que atrela o preço no Brasil ao mercado internacional.

Duas visões

PETROBRAS ESTATAL

A Petrobras é uma empresa controlada pelo governo brasileiro e, por isso, deve se preocupar com os interesses do país. É legítimo que um governo eleito pela população decida como a empresa vai atuar dentro de uma política energética. Há espaço, portanto, para que a empresa venda combustíveis mais baratos que o mercado internacional, por exemplo. Isso aconteceu durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff e trouxe prejuízos à companhia.

PETROBRAS EMPRESA

A Petrobras é uma empresa de capital aberto e deve ser administrada pensando somente no que é benéfico para as contas da própria empresa. A Petrobras visa o lucro e não deve sofrer pressões políticas. Uma gestão profissional na companhia é benéfica para os acionistas e, consequentemente, para o governo e o país – já que a empresa cresce e a União ganha com isso. A decisão de Parente de atrelar os preços ao mercado internacional segue essa linha. Desde sua posse as ações da Petrobras mais que dobraram de valor, mas nos últimos meses os combustíveis subiram muito acima da inflação.

Três análises sobre a política de preços

Diante dessa situação, o Nexo perguntou a três especialistas em energia e petróleo se há uma maneira de conciliar os interesses dos acionistas privados com os do governo e da população.

  • Adriano Pires, doutor em economia industrial e Diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura
  • Ildo Sauer, professor da USP e ex-diretor da Petrobras
  • Luiz Pinguelli Rosa, professor emérito da UFRJ e ex-presidente da Eletrobras

Qual sua avaliação sobre a política de preços adotada por Temer e Parente?

ADRIANO PIRES O governo Temer agiu de maneira correta ao dar liberdade à Petrobras para escolher os preços. E a Petrobras também agiu de maneira correta ao colocar como critério o mercado internacional. No governo Dilma, houve uma lambança que causou um rombo de US$ 40 bilhões na Petrobras.

Pedro Parente assumiu uma empresa quebrada. O que ele fez foi fazer o que qualquer empresa faz, aplicou preços de mercado. Se vender o pão abaixo do preço de mercado, quebra a padaria.

Não existe meia liberdade ou meio controle, ou o mercado pune. Eu acho que tem que ser mercado. As ações vinham aumentando de preço nos últimos meses, mas foi só haver a intervenção do governo [a promessa de reduzir o preço do diesel temporariamente] que a Petrobras perdeu R$ 50 bilhões em valor.

ILDO SAUER A atual crise é produto de uma disputa de interesses entre três grupos. Os acionistas que buscam o lucro. O consumidor, que não é o povo em geral, que quer pagar mais barato. E um terceiro grupo, que ninguém fala, que é a população brasileira.

O dono do petróleo que a Petrobras descobre e explora, pela Constituição, é o povo, que deveria ficar com uma parte do excedente econômico. Investir em saúde pública e educação pública é muito caro. A social democracia, na qual eu me inscrevo, acha que a maior parte do valor do petróleo deve ir para melhor educação, melhor saúde, ciência e tecnologia, infraestrutura.

É preciso um mecanismo institucional que medie o conflito. O governo deveria fazer isso, mas quer os impostos. Aí sobra quase nada para o dono original, o povo.

A lei que é a base para o que está acontecendo hoje foi feita no governo Fernando Henrique Cardoso [Lei do Petróleo] e não foi alterada nos governos do PT. A responsabilidade é de quem fez a lei, de quem não mudou ou de quem está aplicando? As consequências são desastrosas.

LUIZ PINGUELLI ROSA É um equívoco completo [a atual política de preços], uma visão completamente limitada para uma empresa estatal que tem que ter um compromisso com o Brasil. Senão não haveria sentido em ser estatal, é a negação do papel da Petrobras na política energética brasileira. O papel não é pagar dividendo, não é uma padaria.

No passado, também houve momentos equivocados. No governo Dilma, se sobrecarregou muito a Petrobras com o controle de preços desproporcional. Mas isso aconteceu também porque a Petrobras não está cumprindo o papel. O Brasil importa derivados de petróleo [inclusive combustíveis]. Chegamos ao cúmulo de, embora a estrutura de refino de petróleo não seja suficiente para o mercado interno, há capacidade ociosa. Isso aumenta a necessidade de importação, principalmente de diesel dos Estados Unidos. Isso onera a Petrobras.

O Brasil poderia ser mais independente da flutuação internacional se tivesse maior capacidade de refino para o petróleo que produz. Se privatizar refinarias, piora a situação. Porque aí a Petrobras perde o poder de controlar a flutuação do preço para proteger a economia brasileira.

Existe uma maneira de conciliar os interesses? Como fazer?

ADRIANO PIRES Do ponto de vista da Petrobras, a política não deveria mudar. Do ponto de vista do governo, deveria haver mudança na parcela de tributos cobrados. Na minha opinião há um exagero na tributação, mas é preciso também usar impostos regulatórios.

Combustíveis são alvo de política de impostos no mundo inteiro. Pode-se ter impostos regulatórios para serem utilizados nos momentos em que o petróleo sobe muito ou cai muito. Quando chega a US$ 100, não é justo que se transfira para a sociedade completamente esse aumento.

Petróleo é um produto de muita volatilidade, é o mais sensível à geopolítica. Petróleo está barato, imposto alto. Petróleo aumenta, reduz o imposto. Isso cria condições para que o aumento não seja transferido na íntegra para o consumidor.

ILDO SAUER A volatilidade diária não é um problema em mercados civilizados. Mas aqui no Brasil, quando o petróleo aumenta na refinaria, todo mundo aumenta na hora. Quando ele cai, demoram a reduzir.

Mas é possível fazer fundos estabilizadores, com mudanças de patamares, pode ser a cada mês. A Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico] foi criada para isso, a Petrobras fez entre 2003 e 2008, mas hoje é usada para fazer resultado primário. A Petrobras reajustava os preços em patamares.

O Brasil é exportador de petróleo, interessa mais exportar a US$ 100 do que a US$ 40. Os preços podem acompanhar o mercado internacional desde que o lucro seja redistribuído entre as partes de forma mais equilibrada. Na minha opinião, usar o lucro do petróleo para os mais pobres primeiro. Em seguida, usar patamares de preço para que os consumidores e o sistema econômico possam operar de maneira equilibrada. Isso tudo sem abandonar a ideia de que os acionistas tenham um retorno apropriado sobre o seu capital.

LUIZ PINGUELLI ROSA É preciso haver um meio termo, não pode um dia estar pagando R$ 2 e no outro dia estar pagando R$ 5, é muito difícil para a economia. É preciso ter um amortecimento aí.

Se o preço internacional do petróleo sobe, o preço do combustível aqui vai ter que subir. Mas não pode ser de um dia para o outro. Há maneiras de se fazer um amortecimento, mecanismos inclusive de compensação para a Petrobras por amortecimentos.

No fundo, é o que o governo faz temporariamente agora. A Petrobras já reduziu o preço do diesel e o governo se compromete a ressarci-la em um período de tempo. Isso diminui o choque.

ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto dizia que Temer assumiu o governo em maio de 2012, quando na verdade foi em maio de 2016. A informação foi corrigida às 12h50 de 27 de maio de 2018.