Do BRT ao aeromóvel para a zona sul, Porto Alegre e as ‘grandes ideias’ não executadas

Luciano Velleda / Sul 21

Campanhas eleitorais e debates entre candidatos são pródigos em apresentar ao eleitor soluções criativas para melhorar a vida dos eleitores. Nessa época do ano, tudo tem solução: escolas melhores; sistema de saúde mais eficiente; geração de emprego e o caos do trânsito nas grandes cidades, além dos temas “da moda” conforme o período, que podem variar da preservação ambiental, a desburocratização ou ao empreendedorismo. Nesse mar de ideias, algumas atravessam anos e mandatos e passam de prefeito para prefeito, até terem seu fim decretado sem nunca sequer haver existido.  PUBLICIDADE

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Símbolo da modernidade do transporte público no século 20, Porto Alegre sonha há décadas em se enfiar embaixo da terra para cruzar a cidade dentro de um vagão de metrô. A influência vem de longe. Em 1863, Londres inaugurou o primeiro metrô do mundo, movido a vapor, com 6,5 km. Paris, Berlim e Budapeste logo seguiram o exemplo dos ingleses. Em 1913, a vizinha Buenos Aires abriu ao público a primeira linha do gênero na América do Sul, 10,7 km ligando a Plaza de Mayo e a Plaza Miserere.

Na Capital dos gaúchos, o tema começou a circular no debate público na década de 1990. Os esboços iniciais traçavam linhas para diferentes regiões da cidade, estimulando a imaginação e o orgulho dos portoalegrenses. O tempo foi passando sem indícios de começar a escavação de algum túnel até que, em 2008, o tema ganhou corpo no debate eleitoral. No ano seguinte, na segunda gestão do prefeito José Fogaça (PMDB), a Copa do Mundo de 2014 permitia estimular todo e qualquer sonho de obra de transporte público, ainda que não se soubesse exatamente de onde viria o dinheiro.

Em 2011, já tendo José Fortunati (PDT) no comando do Paço Municipal, a Prefeitura incluiu o projeto do metrô no programa PAC Mobilidade Grandes Cidades. Viria de Brasília o recurso necessário para concretizar o sonho do metrô de Porto Alegre, a volumosa quantia de R$ 18 bilhões, sendo R$ 6 bilhões do Orçamento da União e R$ 12 bilhões em forma de financiamento. O clima era de “agora vai”.

A então presidenta Dilma Rousseff (PT) até mesmo anunciou a obra em outubro de 2011. E anunciou novamente dois anos depois, em outubro de 2013. Mas não foi. A Copa do Mundo de 2014 passou e, em abril de 2016, o golpe jurídico-parlamentar apeou Dilma do Palácio do Planalto. Em dezembro do mesmo ano, com Michel Temer (PMDB) na Presidência da República, o governo federal anunciou que o recurso outrora disponibilizado estava sendo retirado. O motivo alegado foi a incapacidade da Prefeitura de Porto Alegre em conseguir, nos anos anteriores, formalizar a contratação das operações de crédito junto aos agentes financeiros do PAC Mobilidade.

Mais de 150 anos depois do primeiro metrô do mundo ser inaugurado em Londres, o transporte subterrâneo sobre trilhos continua sendo objeto de desejo e símbolo da “Porto Alegre do futuro”.

Os Portais

Outro exemplo “futurístico” é o projeto Portais da Cidade. Apresentado pela primeira vez em novembro de 2006 pelo então prefeito José Fogaça, a proposta consistia em construir três grandes estações (portais) de ônibus: o Portal Cairu, para coletivos das regiões norte e nordeste; o Portal Azenha, para receber ônibus da zona sul; e o Portal Largo Zumbi dos Palmares/Açorianos, na Cidade Baixa, para atender o fluxo de ônibus provenientes da Avenida Protásio Alves e zona leste. 

A ideia era que os ônibus, vindos de diferentes regiões da cidade, se dirigissem para os portais e, dali, haveria então a ligação com o centro da Capital por linha rápida. O objetivo seria diminuir a grande quantidade de ônibus que se dirigem ao centro de Porto Alegre, aliviando assim o trânsito na área central. Junto com os Portais da Cidade vinha a proposta do BRT (sigla do original, em inglês, Bus Rapid Transit). Em que pese ser possível chamar simplesmente de Transporte Rápido de Ônibus, houve o momento em que a sigla em inglês virou a panaceia para o trânsito nas grandes cidades do Brasil. E com Porto Alegre não foi diferente.

O projeto Portais da Cidade entrou na campanha eleitoral de 2008, quando Fogaça foi reeleito, tendo como vice-prefeito José Fortunati. Em 2009, a Câmara Municipal chegou a autorizar que a Prefeitura realizasse operação de crédito de US$ 100 milhões com a Cooperação Andina de Fomento (CAF) para realizar o projeto. No ano seguinte, ao assumir a Prefeitura da Capital, já com a Copa do Mundo de 2014 no horizonte, Fortunati pediu novos estudos técnicos sobre a proposta e começaram então as mudanças. O Portal na Cidade Baixa deu lugar ao Portal Zona Sul, localizado mais próximo do estádio Beira Rio, e a ideia dos portais serem grandes centros comerciais foi perdendo fôlego.  

Em 2011, depois de dúvidas e críticas técnicas sobre o efetivo resultado que a proposta de alto custo teria na melhoria do transporte coletivo, Fortunati pôs fim ao projeto que havia nascido cinco anos antes. A ideia do BRT, entretanto, se manteve. https://www.youtube.com/embed/ciY_sJlLX_4

Linhas e ideias rápidas

No período pré-Copa do Mundo, a “mobilidade urbana” foi a palavra da moda para definir os problemas estruturais do transporte público e do trânsito nas grandes cidades brasileiras, principalmente naquelas que sediariam jogos da Copa. O ano de 2011 se apresentou em Porto Alegre com grandes ideias. 

Em agosto, a Prefeitura lançou edital para receber estudos sobre a construção de estacionamentos subterrâneos na cidade. O objetivo, obviamente e sempre, era aliviar o trânsito, para isso criando mais vagas para carros. O projeto chegou a ser aprovado na Câmara em dezembro daquele ano. Em 2015, todavia, o governo municipal desistiu de construir o estacionamento subterrâneo no Parque da Redenção e, com o passar do tempo, o assunto foi esquecido. 

Algo semelhante ocorreu com o projeto do aeromóvel ligando o centro da cidade com a  zona sul. Em dezembro de 2011, a gestão Fortunati firmou um termo de cooperação com a Trensurb para analisar a viabilidade da obra. Os primeiros estudos projetavam mais de 7 km de linha, indo da Usina do Gasômetro até o Jockey Club, com 12 estações no percurso. Dois anos depois, a Trensurb entregou o estudo de demanda de passageiros. Na sequência, uma nova proposta estendeu o aeromóvel até a avenida Juca Batista, ampliando o traçado para 18 km de extensão. E então, em 2017, o atual prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) desistiu do projeto.

Dentre os projetos de mobilidade urbana pré-Copa, o BRT foi, provavelmente, o de maior repercussão. Reeleito prefeito em 2012, Fortunati começou o novo mandato em 2013 apostando nos ônibus rápidos. “Vêm aí os BRTs”, disse o então prefeito, ao completar 100 dias de governo. 

Em março de 2013, um modelo de BRT, com 24 metros de comprimento e capacidade para 166 passageiros, foi exibido no centro da cidade. No ano seguinte, ano de Copa do Mundo, a intenção era que muitos outros iguais estivessem cruzando velozmente as avenidas da Capital dos gaúchos. O projeto do BRT ainda previa bilhetagem eletrônica, monitoramento de veículos e controle e informação ao usuário. No ano seguinte, a bola rolou no Beira-Rio e nenhum BRT levou torcedores até o estádio da Copa.

Em agosto de 2017, já sob a administração Marchezan, o projeto BRT puxou o freio de mão para não mais ir adiante. Na ocasião, a Prefeitura anunciou que usaria o recurso obtido por meio do FGTS e do BNDES para concluir as obras paradas da Copa do Mundo de 2014. A explicação foi de que o valor obtido representava 25% do total do projeto BRT.

Modelo de ônibus BRT chegou a ser apresentado, em 2013, no centro da cidade. Foto: Ricardo Giusti / PMPA,Divulgação

Saúde para quem precisa

Sem tanta visibilidade midiática como os projetos de mobilidade urbana, porém talvez até mais vitais, áreas como a saúde sofrem constantemente com as promessas de campanha não cumpridas. Ou parcialmente cumpridas. Ou ainda parcialmente cumpridas e depois desmontadas pelo governo seguinte.

Na campanha eleitoral de 2012, em busca da reeleição, Fortunati colocou a informatização do sistema de saúde e o Programa Saúde da Família entre suas principais propostas. Quatro anos depois, seu vice-prefeito, Sebastião Melo (MDB), então concorrendo a prefeito na eleição de 2016, reconhecia que a prometida informatização do sistema público de saúde havia alcançado somente 50% do esperado.  

A cobertura do Programa Saúde da Família também ficara abaixo do prometido na campanha de 2012, igualmente em torno de 50%, apesar da ampliação para 211 equipes. Alcançar 100% de cobertura necessitava, na época, ter 400 equipes. E mesmo entre as 211 equipes citadas, o candidato a sucessor de Fortunati reconhecia que cerca de 30 equipes não tinham médicos.

A ampliação no Programa Saúde da Família obtida por Fortunati ocorreu por meio da criação do Instituto Municipal de Saúde da Família (Imesf), órgão que o prefeito Marchezan, desde que tomou posse, em 2017, atuou para enfraquecer. E conseguiu. Agora em 2020, após questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade da criação do Imesf, o instituto teve seu fim decretado recentemente. 

Ao menos foi um compromisso de campanha que chegou a existir, ao contrário do Portal da Cidade e do BRT, que nunca saíram das gavetas e dos arquivos de computador da Prefeitura. 

O centro de acolhida que ninguém viu

Na área da assistência social, há casos de projetos que surgem mais pela imposição de uma situação emergencial do que propriamente pelo desejo original do governante. A criação do Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes e Refugiados (CRAI) em Porto Alegre foi o caso. 

Em janeiro de 2016, o governo do Estado e a Prefeitura assinaram convênio com o Ministério da Justiça (MJ) para a implementação do CRAI-POA. A parceria previa o repasse do governo federal de quase R$ 750 mil, com contrapartida da Prefeitura de apenas R$ 9.482,50, enquanto o governo estadual se responsabilizaria por disponibilizar o local e fiscalizar a construção do equipamento. Os recursos serviriam para compra de mobiliário, equipamentos, bens de consumo e contratação de pessoa jurídica para o fornecimento emergencial dos recursos humanos.

“Estamos criando condições para que as diferenças sejam respeitadas. E isso não é possível sem o auxílio do poder público com políticas públicas consistentes”, afirmou, na assinatura do convênio, o então prefeito José Fortunati, destacando a importância em dar assistência aos imigrantes e enfrentar as desigualdades. Na época, o Rio Grande do Sul e outros estados do País vinham recebendo um grande fluxo de migrantes, principalmente haitianos e africanos.

Um ano e meio depois da assinatura do convênio, em agosto de 2017, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF/RS) ajuizou ação civil pública, com pedido liminar, para que a criação do CRAI/POA se concretizasse. Na ação, o procurador regional dos direitos do cidadão, Fabiano de Moraes, enfatizava que o governo do Estado ainda não havia cedido o espaço para a instalação do equipamento e a Prefeitura, já sob a gestão Marchezan, se valia dessa omissão para não criar o CRAI. 

“O risco de ineficácia do provimento final existe porque se o Estado do Rio Grande do Sul não agir com urgência, e cumprir com suas obrigações, a verba destinada ao projeto poderá ser retirada”, justificou o procurador. Ele salientou que a falta de medidas do Estado e do município colocava em risco o cumprimento das obrigações pactuadas no convênio com o governo federal, “o que acarreta em grave dano aos estrangeiros imigrantes e refugiados que, como lhes é de direito, procuram por ajuda social humanitária através do poder público deste país”.

Um mês depois da ação do MPF, o governo de Marchezan enviou ofício ao Ministério da Justiça pedindo o encerramento do convênio. A justificativa apresentada foi a “inviabilidade técnica da execução do objeto do convênio”. Entre as razões alegadas estavam a inexistência do local para a criação do CRAI e a falta de dinheiro da Prefeitura e do governo estadual para adequar espaços existentes. Além de Marchezan, o então governador José Ivo Sartori também assinava o pedido de fim do convênio. 

Em dezembro de 2017, no relatório final sobre o convênio enviado ao Ministério da Justiça e Segurança, Marchezan disse que o não recebimento de espaços no Centro Vida era a razão para o fim do projeto. “A não execução do objeto deveu-se exclusivamente à recusa do Estado em ceder instalações adequadas à implantação do Crai”, informou o documento datado do do dia 26 de dezembro de 2017. 

E assim terminou o projeto do Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes e Refugiados em Porto Alegre.