Incertezas legais e pouco diálogo com entidades de professores marcam a proposta de volta às aulas em Porto Alegre

Luciano Velleda

A proposta de volta às aulas presenciais apresentada na última segunda-feira (14) pela Prefeitura de Porto Alegre, tem causado mais incertezas do que indicado um caminho seguro depois de seis meses de escolas fechadas. Entidades representativas das escolas de educação infantil e dos educadores da rede pública e privada de ensino fundamental e médio, apontam o desacordo da proposta do município em relação às regras estabelecidas pelo governo do Estado como um dos principais elementos de preocupação, além da insegurança de retornar às aulas no atual momento da pandemia do coronavírus na capital gaúcha.

O cronograma proposto pelo governo do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) indica o retorno no dia 5 de outubro, começando pela educação infantil (crianças de 0 a 5 anos de idade), o 3º ano do ensino médio, a educação profissional e a educação de jovens e adultos (EJA). Na seqüência, dia 19 de outubro, voltariam as aulas do ensino fundamental I, ensino especial e educação de jovens e adultos (EJA) sob responsabilidade do município. Por fim, no dia 3 de novembro retornariam as aulas presenciais do ensino fundamental II, ensino especial e o restante do ensino médio.

Do ponto de vista legal, a primeira incerteza surge devido ao modelo de distanciamento controlado do governo estadual. Ao autorizar a volta às aulas presenciais, o governador Eduardo Leite (PSDB) explicou que o retorno só será permitido em regiões que estejam, no mínimo, há duas semanas em bandeira laranja. Não é o caso de Porto Alegre, que permanece em bandeira vermelha e precisaria obrigatoriamente passar para a bandeira laranja a partir da próxima semana — e se manter — para cumprir o calendário proposto pela Prefeitura. 

A outra dúvida legal que surge se refere ao COE — Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação, que determina quais protocolos sanitários as escolas deverão cumprir para poderem reabrir. Por enquanto, há o COE do governo estadual como parâmetro, porém há o entendimento de que cada município deve estabelecer o seu. Ao invés de criar o COE, a Prefeitura de Porto Alegre, até o momento, formou um grupo de trabalho para orientar a formulação dos protocolos sanitários. 

A diretora-geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Maria José da Silva, a Zezeh, avalia que o descompasso entre as regras estabelecidas pelo governo do Estado e àquelas propostas pela Prefeitura, deixam o educador com dificuldade de se organizar. O receio é que as escolas entrem numa situação de “abre e fecha”, semelhante a enfrentada pelo comércio recentemente, quando a Prefeitura autorizou a reabertura em desacordo com as regras estabelecidas pelo governo estadual e depois houve interferência da Justiça. 

Zezeh ainda enfatiza a falta de diálogo do governo Marchezan com os professores da rede municipal. Afinal, destaca ela, serão os professores e funcionários de escola que terão que cumprir os protocolos sanitários determinados. “Somos pegos sempre de surpresa, ficamos sabendo pela mídia. O trabalhador lá na ponta não está sendo ouvido. Há uma incerteza muito grande e, no cenário de incerteza, tem que ter diálogo e não estamos tendo. Não temos a segurança e a tranqüilidade para retornar, e essa tranquilidade viria se houvesse diálogo, se houvesse troca de ideia.” 

Ao apresentar o calendário proposto pela Prefeitura, Marchezan disse que o governo começaria a dialogar com um grupo formado por cerca de 30 entidade que são, segundo a Prefeitura, representativos do setor educacional em Porto Alegre. A primeira reunião aconteceu nesta terça-feira (15) e a Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa) não participou.

A diretora da Atempa reconhece que há forte pressão para a retomada das aulas presenciais, e pondera que a sala de aula pode ajudar depois de tantos meses fechada, porém, alerta que pode também piorar a pandemia se o momento for inadequado e se o planejamento não for bem feito. 

“Estamos com muita preocupação nesse sentido. Há escolas sem água e isso afeta a higiene, são vários elementos colocados e tudo sem diálogo com os educadores. É um contexto de muita insegurança e educação sem planejamento não existe. Queremos estar na sala de aula com nossos alunos, mas estamos preocupados com a condição para fazer isso”, afirma Zezeh. 

O Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) também não tem sido chamado pelo governo Marchezan para participar do debate e do planejamento do retorno das aulas presenciais. A diretora do Sinpro, Cecilia Farias, define o momento em duas palavras: instabilidade e incerteza. Para ela, a falta de criação  do COE (Centros de Operações de Emergência em Saúde para a Educação) pela Prefeitura prejudica o contexto do debate de volta às aulas. “Parece que está havendo uma confusão que causa instabilidade”, afirma. O conflito de normas, avalia, causa angústia na comunidade escolar. “O anúncio (da prefeitura) trouxe, no conteúdo, muitas questões que conflitam com outras normas. Para nós foi bem difícil ouvir como as coisas estão acontecendo.”

A posição do Sinpro/RS é que a volta às aulas, agora, ainda é prematura, pois o contágio segue alto na cidade e isso coloca em risco pais, alunos e professores. A exigência de duas semanas em bandeira laranja é outra preocupação. Cecilia enfatiza que o modelo de cores muda com frequência e isso pode levar as escolas a uma situação de “abre e fecha”, o que teria grande impacto junto aos alunos. “É uma situação muito complicada, muito imprevisível. Devemos aguardar haver não só uma estabilidade da doença como também a diminuição de novos contágio e mortes. Estamos tratando com vidas, é preciso ter muita calma.”

Se as entidades que representam os professores da rede privada e da rede municipal não estão sendo chamadas para participar das discussões, o mesmo não acontece com o Sindicato Intermunicipal dos Estabelecimentos de Educação Infantil do Estado do Rio Grande do Sul (Sindicreches). Sua presidente, Carina Becker Koche, reconhece e valoriza a oportunidade que vem tendo em ouvir e opinar. Há algum tempo ela cobrava que a Prefeitura de Porto Alegre tomasse a atitude de iniciar os debates sobre a volta às aulas e, por esse aspecto, diz ser importante o movimento feito essa semana pelo governo municipal.

Carina também se preocupa com as divergências legais entre o que propõe a Prefeitura e o que exige o governo estadual, como a exigência da bandeira amarela. Mas, ainda assim, destaca que tudo ainda está no campo da proposta. A presidente do Sindicreches diz entender a intenção da Prefeitura em abrir as escolas sem voltar a fechar, pois concorda que um eventual “abre e fecha” é muito ruim para a organização das instituições de ensino e os próprios alunos. “É um recomeço”, analisa.