‘Confessionário’: Websérie procura motivar mulheres a denunciarem violência doméstica

Annie Castro

A pandemia do novo coronavírus trouxe à tona situações que foram o estopim de uma série de violências físicas e psicológicas sofridas por Ana Paula* durante mais de 30 anos de casada. As violências praticadas pelo marido dela são contadas no primeiro episódio da websérie ‘Confessionário – Relatos de Casa’, criada pela atriz e diretora de teatro Deborah Finocchiaro e pelo diretor de cinema Luiz Alberto Cassol.PUBLICIDADE

Segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pedido do Banco Mundial, o número de feminicídios no Brasil cresceu 22,2% em março e abril deste ano, em 12 estados do país, em relação ao mesmo período do ano passado. Ainda, conforme o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a quantidade de denúncias de violência contra as mulheres recebidas no canal 180 cresceu quase 40% na comparação entre abril de 2020 e de 2019.

Essa realidade enfrentada pelas mulheres — e agravada durante o isolamento social — motivou a criação da websérie. “Quando fiquei sabendo que o feminicídio e a violência doméstica tinham aumentado por causa da pandemia, me veio a ideia desse projeto”, conta a atriz e diretora Deborah, que já atua em trabalhos artísticos que falam sobre esse tema há mais de 20 anos.

A partir da vontade de criar um projeto que abordasse essa temática, Deborah decidiu que precisava de uma consultora jurídica e entrou em contato com a advogada Gabriela Souza, que é especializada em cuidar de casos de violência contra mulheres. “Ela super topou participar. Aí falei pro Cassol, que é um amigo e ótimo cineasta, e ele topou na hora também”, relata Deborah.

O diretor Luiz Alberto Cassol relata que, desde o ano passado, ao participar da direção de um documentário que abordava temas como feminismo e lugar de fala, tinha a vontade de criar uma produção em que mulheres contassem suas histórias e suas vivências. “Eu e Deborah estávamos conversando e ela falou dessa ideia e que já tinha falado com a Gabriela. Acontece que eu também já havia pensado na Gabriela como fonte para esse meu antigo projeto. Os dois tinham projetos diferentes, mas que eram basicamente o mesmo, então, resolvemos fazer a série”, conta.

Para a atriz e diretora Deborah, independente do contexto da pandemia, a websérie tem o objetivo de “encorajar outras mulheres a contarem suas histórias”. “A violência é tão banalizada e precisamos falar sobre isso, assim como reconhecer quando ela acontece. É muito impactante ver uma outra mulher falando dessa realidade, que muitas vezes é a nossa própria realidade”, afirma.

Deborah diz ainda que, além de encorajar outras mulheres para que contem suas histórias, o projeto também visa mostrar que elas não estão sozinhas. Isso, segundo a diretora, foi o motivo pelo qual fizeram questão de colocar em todos os episódios canais para denunciar casos de violência doméstica. “Queremos que esses relatos ultrapassem a máquina, a câmera, o computador. É um projeto social, mais do que qualquer coisa”, pontua.

Histórias reais

Embora seja uma websérie ficcional, cada episódio da produção conta uma história baseada em situações reais e relatos de mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica e de gênero, seja ela física ou psicológica. “Essas histórias vêm de relatos dos casos que a Gabriela atende, de pesquisas, de notícias de jornal, de histórias de pessoas que conhecemos. Como trabalho há anos com esse tema, tenho várias histórias digitadas e também de manchetes de jornais”, conta a atriz e diretora. “Cada história a gente recria a partir dos relatos, criando uma ficção baseada em situações reais”, complementa.

Cassol explica que algumas histórias são misturadas em um mesmo episódio, tornando-se um único relato que é narrado por uma atriz para uma suposta campanha, intitulada “Confessionário”. “Cada episódio é o nome de uma mulher. Em cada um deles, a atriz que está interpretando conta o relato em primeira pessoa, olhando direto pro computador. No final do depoimento, sempre aparece a Gabriela como consultora, falando sobre como se pode fazer uma denuncia, como identificar uma violência e quais são os contatos para denúncia, assim como dando indicação de casas de acolhimento”.

Arte: Divulgação/Confessionário: Relatos de Casa

Em razão do isolamento social durante a pandemia, as gravações da websérie estão sendo feitas de maneira remota e online, com cada integrante da equipe em sua própria casa. “Fazemos as gravações pelo Skype. Eu e o Cassol estamos sempre acompanhando remotamente e o Fred Paz, que está como cinegrafista, usa a gravação do Skype e outras duas câmeras que ele usa para gravar o computador”, explica Deborah. Após o processo de gravação, de montagem e de edição, cada episódio é enviado para a análise da consultora jurídica Gabriela. Todos os episódios também estão disponibilizados em versões com audiodescrição, legenda LSE e libras.

A previsão dos diretores é de que a produção tenha três temporadas, com nove episódios cada, que estão sendo publicados semanalmente, toda segunda-feira, no canal da websérie no Youtube.  Além da plataforma, o projeto também tem perfis em outras redes sociais, como Facebook e Instagram, onde ocorrem divulgações dos novos episódios. O projeto inclui ainda um podcast, que se propõe a falar sobre os bastidores do projeto e outras questões envolvendo o tema da violência contra a mulher.

Até o momento, a websérie não conta com nenhum patrocínio e está sendo realizada de forma independente por artistas e produtoras, que se uniram para possibilitar o projeto. “Acreditamos nesse projeto e, por nós, ele vai continuar”, afirma Deborah.