Usuários questionam redução de linhas e lotação de ônibus: ‘dizem pra se distanciar, mas aproximam’

Luís Eduardo Gomes

No dia 24 de maio, veio à tona a informação de que a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) iria suspender 12 linhas de ônibus de Porto Alegre por dois meses em razão da queda no número de passageiros no transporte coletivo. A solicitação foi negada no dia seguinte pela Prefeitura, que alega que a circulação dessas linhas segue normal. Mas passageiros de diversas regiões da cidade apontam que houve conjugação de linhas durante a epidemia do novo coronavírus e reclamam de superlotação no transporte coletivo.

Um desses casos é a supressão da linha Quinta do Portal, que, segundo moradores da região, localizada na Lomba do Pinheiro, zona leste da Capital, foi unificada com a linha Mapa. Moradora da Quinta do Portal há 24 anos, Isabel Cristina Barbosa dos Santos, mais conhecida como Bell, destaca que a linha que leva o nome da vila foi conquistada após um processo de muita mobilização da comunidade, que, anteriormente, precisava caminhar até a vizinha Vila Mapa para pegar o ônibus mais próximo.

“Agora, com a questão da covid-19, a empresas simplesmente uniu as duas linhas, Mapa e Quinta do Portal, sendo que isso é um absurdo. O Quinta do Portal é um ônibus que vive lotado porque ele atende a parada 6 também e o Mapa também vive lotado. Como é uma medida para reduzir custos e gerar benefício para a empresa, ela unificou as duas linhas não pensando na comunidade. Não pensando que esses ônibus vivem lotados”, diz.

Além da necessidade de se deslocarem para pegar o ônibus, os moradores também questionam a mudança no itinerário da linha Mapa, que teve o fim da linha no Centro mudado da Rodoviária para a Salgado Filho, que era o destino da linha Quinta do Portal.

Bell diz que, após a conjugação das linhas, a informação passada aos moradores era de que os ônibus da linha Mapa seguiriam passando de 6 em 6 minutos, mas esta não é realidade que percebe. “Eu moro em frente a uma parada de ônibus. Eu já fiquei 20 minutos esperando um para ir para ao Centro e 20 minutos lá na parada da Salgado esperando para voltar”, diz.

Moradora da Lomba do Pinheiro, Isabel Adriana Klein aponta outro problema, que é o fato de a frequência dos ônibus diminuir muito fora do horário de pico. “O ônibus cumpre a tabela até às 9h. Depois das 9h, se tu tiver compromisso, não conta com os horários de ônibus. É um horror”, diz.

Isabel Adriana exemplifica a dificuldade que os moradores enfrentam com a redução dos horários com o dia que precisou levar a mãe, idosa, em uma consulta médica marcada para as 8h. “Eu tive que sair quinze para as seis para não pegar o ônibus superlotado por ela ser do grupo de risco. Dali adiante, fica superlotado. O que acontece? A pessoa vai ir no superlotado porque sabe que depois vai ficar precária a situação”.

Para ela, a Prefeitura manda uma mensagem confusa aos moradores ao, por um lado, pregar o distanciamento social e, por outro, permitir que ônibus circulem lotados. “Ao mesmo tempo que eles dizem que não se pode ter esse tipo de aglomeração, eles aglomeram. Ao mesmo tempo que diz que tem que se distanciar, eles aproximam”, diz. “Os empresários falam que eles perdem, que não tão ganhando, mas eu, por exemplo, sou uma pessoa que, se não tá bom o trabalho, eu vou sair. E as licitações são sempre os mesmos que ganham. É meio contraditório isso. Então, eu, como usuária e como moradora de uma comunidade carente, vejo dessa forma e acredito que a grande maioria vê dessa forma, uma coisa que já tava ruim e piorou. Eles esquecem que, sim, tem a pandemia, mas as pessoas continuam trabalhando, porque elas precisam. Principalmente o pessoal que o trabalho delas é fundamental para que as coisas andem, como os garis, o pessoal da saúde, da segurança, o desempregado que é autônomo e se obriga a sair. Aí é complicado tu não ter esse amparo dos governantes”.

De acordo com informações da Prefeitura de Porto Alegre, a grande maioria dos trabalhadores da Capital atuam em atividades que já foram liberadas para serem retomadas. Dos 689 mil trabalhadores com carteira assinada da cidade, apenas 38 mil atuam nas atividades que ainda estão sob restrição.

A ATP argumenta que a população não está desassistida, mas reconhece que houve “readequação” em diversos itinerários (ver ao final da matéria). Gerente de Transportes da entidade, o engenheiro Antônio Augusto Lovatto reconhece que a frequência das linhas curtas foi drasticamente reduzida. Ele diz que o principal critério para definir quais linhas seriam modificadas foi o de preservar aquelas que passam por um maior número de bairros. “A gente deu preferência em cortar as linhas curtas, porque as linhas longas passam em grande parte do itinerário das linhas curtas. As linhas longas também abastecem os locais mais desprovidos de recursos de Porto Alegre, ou seja, aonde tem menos condições das pessoas chegarem até os seus destinos e onde provavelmente moram as pessoas menos assistidas”, diz.

Segundo ele, essas mudanças ocorrem porque a ATP tem procurado regular a oferta com a demanda. “Como nos primeiros momentos a demanda foi reduzida em 75%, ou seja, a gente ficou transportando 25% do que a gente transportava em condições normais, a gente procurou reduzir a oferta quase na mesma proporção”, diz. “A oferta hoje está em torno de 40%, e a demanda também”.

Duas das linhas que tinham previsão de serem suspensas eram a Cruzeiro e a Pereira Passas, que atendem a zona sul da cidade e têm grande parte de seu trajeto passando pela região conhecida como Grande Cruzeiro. Liderança comunitária da região, Tattiane Perdomo Cardoso diz que, de fato, as linhas acabaram não sendo suspensas. Contudo, destaca que as linhas também apresentaram reduções de horários. “Além de toda a dificuldade de que, em tempos normais, já existia a superlotação, agora os ônibus parece que diminuíram. E voltando alguns comércios, eles continuam com a redução. Então, aumentou o fluxo de pessoas, as pessoas estão indo trabalhar, mas reduziram, e isso acaba, sim, lotando”, diz.

A respeito da superlotação, Lovatto diz que os consórcios e a ATP diariamente analisam os pontos críticos de maior carregamento de passageiros para ver se é necessário fazer mudanças nos horários.

Higienização dos ônibus em Porto Alegre. Foto: Cesar Lopes/PMPA

Sobre os riscos de contaminação pelo vírus provocados pela lotação, o representante da ATP ressalta ainda que as empresas têm adotado protocolos de higiene para garantir a segurança dos passageiros. “O ônibus é higienizado hoje com os mesmos produtos utilizados para limpeza hospitalar, tem álcool gel à disposição dos passageiros e da população, os ônibus andam completamente arejados”, diz.

Segundo Lovatto, uma prova da segurança do transporte público e que não haveria nenhuma internação por covid-19 entre os 8 mil motoristas e cobradores de ônibus que trabalham nas empresas privadas.

Procurada pela reportagem, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) destaca que os critérios utilizados para redução de horários de circulação de ônibus são a “demanda de passageiros transportados, opções disponíveis de deslocamento aos usuários e a racionalização da operação de cada linha com menor impacto possível ao usuário”.

Para Bell, contudo, há ainda a preocupação com o que ocorrerá com o transporte público após serem levantadas as restrições do período da pandemia. “A minha preocupação maior e de muita gente da comunidade é: será que quando terminar a covid-19 a gente vai ter novamente o Quinta do Portal? Será que isso é realmente provisório como a Prefeitura diz ser provisórias e nunca é, é definitivo? Porque a gente lutou muito para ter esse ônibus e eu tô vendo a possibilidade da gente perder essa linha, porque é do interesse da empresa há muito tempo unificar a Quinta do Portal e a Mapa”, diz.

Na nota encaminhada à reportagem, o posicionamento da EPTC é de que “ainda é prematuro para se discutir uma nova normalidade” e de que a entidade segue monitorando a demanda de passageiros para realizar ajustes na oferta. Já Lovatto diz que ideia das empresas é que, passada a epidemia, as linhas afetadas voltem à situação anterior. “A ATP não tem o menor interesse em manter elas conjugadas”.

Contudo, em nota encaminhada à reportagem para complementar o posicionamento de Lovatto, a própria ATP já fala que o transporte coletivo de Porto Alegre terá que passar por uma reestruturação pós-pandemia e que não é possível garantir o retorno de 100% das linhas afetadas.

Linhas afetadas pela readequação de itinerários*:

Consórcio MOB – atuação na Zona Norte: 4321, 605, 608, 6171, 6172, 6531, M21, M31, M52 e TR61;
Consórcio Viva Sul – atuação na Zona Sul: 176, 264, 2682, 2685, 2701, 284, A09, A11, A141, A17, A69, A85, A288;
Consórcio Via Leste – atuação na Zoa Leste: 476, M76, M98 e A14.

*Informação da ATP.