Vídeos denunciam aglomerações na travessia entre Rio Grande e São José do Norte

Marco Weissheimer

Dois vídeos publicados quarta-feira (17), no Facebook, mostram um problema que, segundo moradores de São José do Norte (RS), vem atingindo nos últimos meses os usuários das lanchas que fazem a travessia do canal na Lagoa dos Patos entre o município e Rio Grande: as aglomerações em horários de pico, que teriam se agravado em função da diminuição de horários de travessia a partir de março, com a chegada do novo coronavírus. Os dois vídeos – um deles postado pelo Movimento “4 Reais Não” (uma referência ao preço da tarifa da travessia) – mostram usuários amontoados – e irritados – enquanto esperam transporte para regressar para suas casas.

Localizado no extremo-sul do Estado, às costas do Oceano Atlântico e da Lagoa dos Patos, São José do Norte depende exclusivamente do transporte coletivo de passageiros aquaviário para que os seus moradores possam se deslocar até a cidade vizinha de Rio Grande, onde centenas deles trabalham e estudam. A travessia está a cargo de uma única empresa, a Transnorte – Transportes Aquaviários Ltda.

No dia 20 de março deste ano, o vereador Luiz Gautério (PT), da Câmara Municipal de São José do Norte, encaminhou um documento ao Ministério Público Federal, alertando para o aumento da aglomeração de pessoas nas lanchas que fazem a travessia por causa da diminuição dos horários pela empresa. O documento assinala que, no dia 19 de março, a Prefeitura decretou estado de emergência pública no município em decorrência da declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No mesmo dia, a Transnorte divulgou uma nota anunciando a redução da metade dos horários na travessia entre Rio Grande e São José do Norte. As lanchas, que saíam de meia em meia-hora passaram a sair só de hora em hora. Com a flexibilização do distanciamento social, que vem ocorrendo nas últimas semanas em todo o Estado, a empresa retomou alguns horários que tinham sido suspensos, mas as aglomerações seguem acontecendo, preocupando os moradores que temem o risco de contágio pelo novo coronavírus.

Questionada pelo MP Federal, a partir da representação feita pela vereador Luiz Gautério, em março, a Transnorte afirmou que estava procurando encontrar um “ponto de equilíbrio, com alternativas pontuais capazes de solucionar as questões que ora afetam a travessia aquaviária de passageiros entre Rio Grande e São José do Norte, diante do grave momento que vem sendo enfrentado pelo setor de transportes no país, em decorrência da pandemia do coronavirus”. A empresa ressaltou ainda estar vivendo uma situação de “desequilíbrio financeiro decorrente da queda contínua de, aproximadamente, 85% no fluxo de passageiros, observada de forma mais drástica desde o dia 17 de março”. No dia 1o. de abril, a empresa anunciou que passaria a operar com 50% da capacidade total de cada embarcação para atender as normas de distanciamento social então fixadas pelo governo estadual. Esse sistema, porém, não funcionou de modo adequado, sendo abandonado pela empresa.

De lá para cá, a grade de horários das travessias já sofreu várias mudanças, com a retomada de alguns horários. O Sul21 tentou entrar em contato por telefone com a Transnorte, mas não conseguiu contato pelos números informados na página da empresa. Em posts publicados em sua página no Facebook, a empresa assegura que vem respeitando todas as recomendações e protocolos de segurança previstos pelas autoridades sanitárias, como a manutenção de “uma distância de dois metros entre passageiros na distribuição de assentos, filas de embarque e desembarque e demais pessoas envolvidas no transporte aquaviário”. Na mesma página, porém, há várias postagens de moradores reclamando das aglomerações e da falta de álcool gel para os usuários das lanchas, entre outros problemas.

Outro problema que preocupa os usuários das lanchas é o aumento da tarifa da travessia. No dia 29 de março de 2019, a passagem da travessia de passageiros aumentou de R$ 3,20 para R$ 4,00. Agora, em junho de 2020, a empresa anunciou que a passagem aumentará para R$ 4,50 a partir do dia 27 de julho. Desde o ano passado, a empresa vem sendo alvo de vários protestos de estudantes que perderam o direito à meia-passagem em 2018.

“Afronta às condições de vida dos trabalhadores”, dizem entidades estudantis

Em nota conjunta, o Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Pelotas, a União Nacional de Estudantes e a União Estadual de Estudantes criticaram o novo aumento afirmando que ele ocorre “diante de um cenário de descumprimento de horários, que gera filas imensas nas estações hidroviárias, denúncia de descaso com a higienização adequada e de extrapolação do limite de ocupação das embarcações, contrariando as orientações da Organização Mundial da Saúde na efervescência da maior crise sanitária do Brasil”.

“Este aumento repentino durante a pandemia é uma afronta às condições atuais de vida dos trabalhadores de São José do Norte e de Rio Grande, que vêm sendo afetados pela difícil situação econômica e o enorme índice de desemprego no Brasil”, acrescentam as entidades que prometem ir à Justiça para tentar barrar o novo aumento.

Vereador Luiz Gautério: “bomba relógio pode já ter explodido” (Divulgação)

“Bomba-relógio”

O vereador Luiz Gautério chama a atenção para o conflito que perdura na travessia do canal da Lagoa dos Patos. “As empresas empregadoras não liberam ou não criam alternativas de escala funcional que possam evitar horários de pico no transporte. Assim, a classe trabalhadora de São José do Norte que precisa fazer a travessia para Rio Grande, diariamente enfrenta esperas longas e filas para o embarque, o que culmina em aglomerações e rompimento do distanciamento seguro entre indivíduos. Não há estrutura para acolher as pessoas de forma segura, é inverno, chove, faz frio, as lanchas nem sempre são higienizadas entre uma viagem e outra, não é disponibilizado álcool gel ao embarque, entre outros aspectos”.

Com a diminuição de horários impostos para travessia e persistindo a desorganização da logística no alto da crise sanitária, alerta Gautério, “a situação está cada dia mais insustentável, como uma bomba relógio pronta a explodir”. O vereador cita como exemplo a notícia desta quinta-feira sobre o aumento de casos de covid-19 nas empresas de fertilizantes do complexo portuário de Rio Grande, onde muitos trabalhadores de São José do Norte são empregados. Um deles, observa foi confirmado há poucas horas como o primeiro caso de contágio no município. “A bomba relógio pode já ter explodido e nós ainda não saibamos”, resume Gautério.