No debate sobre redução da maioridade penal, é falso dizer que os adolescentes que cometem crimes ficam impunes

Renato Sérgio de Lima

Por Liana de Paula. Professora da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, pesquisadora do sistema socioeducativo brasileiro há quase 20 anos e autora do livro Punição e cidadania: adolescentes e liberdade assistida na cidade de São Paulo (Alameda Editorial).

Em vários cantos do Brasil, vivemos e convivemos com o medo da violência e a sensação de impunidade. E não é por acaso.

Os números da violência letal no Brasil são assustadores e são pífias as proporções de assassinatos solucionados pela polícia e de homicidas efetivamente processados e punidos pela justiça.

As respostas dadas pelas instituições de segurança pública e justiça têm sido insuficientes e fundadas em concepções de política criminal obsoletas, o que só alimenta nossa sensação de impotência diante dessa realidade. Não à toa, parte da população clama por mudanças e acredita nos discursos de reforma na lei penal para torná-la mais dura; mais efetiva. Acredita-se, assim, no que seria o poder de dissuasão das penas mais duras e no combate à impunidade.

Deixar impune quem cometeu um crime é algo que nos indigna e que alimenta a sensação de impotência e o medo diante da violência e da criminalidade. E é nesse caldo geral temperado pelo medo que surgem os defensores da redução da maioridade penal como solução mágica para enfrentar o crime e diminuir a violência. Contudo, para problemas complexos, infelizmente não há soluções mágicas.

Na verdade, há uma enorme confusão quando se discute a redução da maioridade penal, misturando-se impunidade e inimputabilidade.

Para evitar a linguagem jurídica empolada, vamos simplificar. Se impunidade significa não ser punido, a partir de qual idade uma pessoa que comete um crime pode ser punida no Brasil? A partir dos 12 anos!

Sim, essa é a chamada idade de responsabilidade penal, isto é, a idade a partir da qual uma pessoa pode ser responsabilizada penalmente pelos seus atos.

Segundo dados compilados pelo Unicef, temos a idade de responsabilidade penal mais baixa quando comparada a nossos vizinhos do Cone Sul: na Argentina é 16 anos, no Chile e no Paraguai, 14 anos, e no Uruguai, 13 anos. Esse é um debate mundial e que, mais uma vez, o Brasil parece chegar atrasado.

Se a idade para ser responsabilizado penalmente está fixada no Brasil em 12 anos, o que estamos discutindo, exatamente? Estamos, na prática, falando do tratamento dado aos que cometem crime a partir da sua idade. Ou seja, estamos falando sobre a maioridade penal, fixada atualmente em 18 anos, e que marca a idade a partir da qual a pessoa pode responder penalmente como um adulto, sendo processado pelo sistema de justiça criminal.

Os adolescentes, isto é, as pessoas entre 12 e 17 anos que cometem crime no Brasil não ficam impunes. Eles são responsabilizados e processados por um sistema especial e com base em legislação especial. E esse processamento penal especial não é novidade nem da Constituição Federal nem do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A primeira legislação especial – o primeiro Código de Menores – que fixa o tratamento penal especial aos chamados menores de idade data de 1927.

O que o ECA muda em relação à legislação anterior são a concepção do que é um adolescente e a forma de tratamento aos infratores, que inclui um conjunto de sanções especiais a serem aplicadas.
Essas sanções são as chamadas medidas socioeducativas, que recebem esse nome por serem aplicadas especificamente a adolescentes e para enfatizar a importância de terem um caráter pedagógico.
Medidas socioeducativas bem executadas, isto é, que conseguem equilibrar responsabilização penal e reabilitação (o caráter pedagógico), contribuem para diminuir o número de adolescentes que reincidem no crime e que se tornam criminosos adultos.

O ECA não deixa de punir os responsáveis por atos infracionais. Porém, para que isso ganhe escala e eficiência, o sistema socioeducativo precisa de melhoras. E das muitas a serem feitas, destaco duas: avaliação e monitoramento das ações e qualificação dos profissionais, para sabermos e investirmos no que funciona e no que produz bons resultados, bem como para disseminarmos boas práticas.

Em suma, precisamos investir no que funciona e parar com discursos vazios que exploram o medo e a boa fé da população. Afinal, o que todas e todos queremos é poder andar na rua tranquilamente e não vivermos com medo constante de tantos perigos e ameaças.

Reduzir a maioridade penal pode saciar momentaneamente a sede de vingança de um ou outro, mas não contribuirá para tornar nossa sociedade pacífica e mais segura.